PlatôBR: ‘Não é da índole dele ser leal’, diz Julian Lemos sobre Bolsonaro

Ex-deputado conta como se afastou de ex-presidente ainda durante a transição de governo e fala sobre o momento atual da família

Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados
Foto: Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados

Em postagem feita nesta quarta-feira, 11, o ex-deputado Julian Lemos (União-PB) reforçou as críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro. “Lembro-me que recebi esse covarde em minha casa, rodei o país com ele arriscando minha vida, gastei tudo que podia e depois fui jogado covardemente nas mãos dos filhos a fim de destruírem minha reputação por nada, penso, o quanto fui tolo, ingênuo, mas nunca fui covarde como ele”, escreveu o ex-parlamentar na rede X.

Lemos ganhou notoriedade ao coordenar em 2018 a campanha presidencial de Bolsonaro no Nordeste. Eleito deputado federal pelo PSL da Paraíba com 71.899 votos, ele exerceu o mandato de 2019 a 2023. O rompimento aconteceu ainda durante a transição de governo, entre 2018 e 2019, depois de atacado por Carlos Bolsonaro.

Em conversa com o PlatôBR, ele detalhou sua relação com a família do ex-presidente.

Bolsonaro pede lealdade aos aliados. Pede que não deixem ele caso seja preso. Como o senhor enxerga essa declaração? Ele é um político que deixa aliados pelo caminho?
Bolsonaro tem essa índole. E eu digo isso a você com muita serenidade. Não existe ninguém, antes da eleição de 2018, que tenha tido mais proximidade com ele do que eu. Não existe. Nem os filhos fizeram o que eu fiz no período da eleição. Bolsonaro tem, não sei ainda, se é uma dupla personalidade ou um misto de narcisista com sociopata. Ele é uma pessoa com zero empatia, tem um certo ar de perversidade e parece que ele sente prazer em abandonar. Por exemplo, você vê que Carla Zambelli hoje está como um cachorro morto, mas quando os repórteres perguntaram a ele sobre ela, ele faz questão de dizer “não tenho nada a ver com ela, nem Pix mandei”. Ele tem esse prazer de desconstruir o que resta da pessoa. Por exemplo, uma das pessoas mais leais chama-se Gustavo Bebianno. A crueldade com que ele tratou o Bebianno não foi pouca coisa. Bebianno se agravou muito no seu estado de saúde devido ao desgosto que teve com o Bolsonaro. Bolsonaro não tem lealdade porque não é da índole dele ser leal. Então, Bolsonaro não tem empatia por ninguém, a não ser pelos filhos. Pelos filhos ele manda dinheiro. Ele é capaz de parar um plano de governo de país para salvar o filho de uma cadeia.

Qual é a sua maior decepção com ele?
Eu já tive decepção. Hoje eu não tenho. Eu simplesmente vejo de forma muito realista. Eu me tornei uma pessoa realista sem expectativas para ele. Eu não consegui enxergar porque o poder, de certo modo, tem um certo charme. Eu era uma pessoa que queria ajudar e ele me tornou o braço direito dele. Eu fiz uma articulação muito grande e levei ele para o PSL.

E como é que o senhor enxerga o Bolsonaro hoje? Ele é diferente do que o senhor conheceu?
Se você for uma pessoa do bem, com sentimentos nobres e entrar no poder você fica, talvez, uma vez e meia ou duas vezes melhor do que você era. Você se torna uma pessoa que vai buscar fazer o bem às pessoas. Mas se você tem uma personalidade narcisista, se você tem uma personalidade cruel, você se torna, no mínimo, cinco, seis vezes pior do que você já era. No início, eu não tinha como perceber essa personalidade dele. Certa vez, ele me perguntou se eu confiava nele. Eu disse que era claro que eu confiava, mas ele olhou nos meus olhos e disse: “Não confia em mim não, confie só no seu pai”. A forma como ele falou parecia que ele tinha mudado a personalidade dele, mas não era a personalidade dele que mudou, era a personalidade verdadeira dele que estava oculta. Ele mostrou que não era para eu ir fazendo planos, porque ele tinha outros planos e nesses planos não caberia Bebianno e eu.

E você tem alguma relação com ele hoje? Tem alguma relação com os filhos?
Não, não. Assim que a transição começou eu comecei a ser perseguido por Carlos Bolsonaro. Alguns amigos meus receberam ligações de Carlos Bolsonaro para se afastarem de mim. Houve um trabalho muito intenso no meu Estado, eles colocaram pessoas para me difamar com um falso testemunho, dizendo que eu peguei dinheiro de campanha. Era uma questão exclusivamente pessoal de Carlos e Eduardo Bolsonaro contra mim.

E qual é essa questão?
Todas. A minha presença incomodava eles. A relação de Bolsonaro comigo era de pai e filho. Bolsonaro ia na minha casa ,Bolsonaro assistiu ao jogo do Brasil na Copa na minha casa. Bolsonaro dormia na minha casa. E os filhos do presidente não andavam com ele. Quando a gente começou a conviver, eu tinha muita influência com o pai e eles não am esse tipo de relação.

Qual foi o dia específico desse rompimento?
Na transição eu comecei a sentir uma coisa meio fria. Já na transição. Mas, do nada, Carlos meteu uma “tuitada” dizendo que eu me apresentava como coordenador do Nordeste, quando na realidade eu nunca fui. O Carlos Bolsonaro é lunático. Ontem, por exemplo, ele deu uma “tuitada” ridicularizando o Cid, dizendo que ele era o Chicó do ‘Alta da Compadecida’. Quer dizer, uma pessoa que o pai dele disse que era da mais alta confiança e ele ridicularizando. Ele faz com que essas pessoas que serviram ao pai tenham um sentimento de revolta

Em 2022 o senhor chegou a ouvir alguma coisa sobre um possível golpe? Teve essa articulação?
Não. Eu já não fazia parte de cúpula nenhuma. Já era tratado pior do que a oposição. Bolsonaro fez tudo para que aquilo acontecesse e induziu as pessoas. Ele disse que quem estava na frente dos quartéis era maluco, mas ele não foi homem para dizer “pessoal, vamos para casa”. Por quê? Porque aquilo favorecia a ele, a pressão social e a pressão política, principalmente sobre o judiciário. Bolsonaro é um antidemocrata. As falas dele mostram isso, Bolsonaro disse isso quando era deputado. Bolsonaro me disse certa vez que quem manda no poder é quem tem a chave do paiol. O paiol é pólvora, pólvora é arma. Então isso era o que ele dizia. Ele é um antidemocrata. Bolsonaro quando assumiu o poder tinha mágoas do Exército, eu sabia que ele tinha mágoas. Ele tinha mágoas de ter sido sempre um deputado medíocre, de baixo clero. Então ele queria ser um maioral ali, mas não tinha habilidade para isso. Tanto é que ele encheu o Palácio do Planalto de militares que não tinham nenhum tipo de habilidade política. Depois teve que se submeter quando caiu na mão do Centrão, que é um grupo altamente articulado e poderoso dentro do Congresso Nacional.